Portugal em memória é uma travessia sensível, reunindo relatos de quem atravessou o oceano para viver a experiência do intercâmbio, na maioria, em Portugal, e um relato na Espanha, compondo uma cartografia íntima de deslocamentos, descobertas e reinvenções. Embora, em geral, a experiência seja descrita como positiva, muitos relatos revelam fissuras iniciais: escolhas não inteiramente livres, destinos não sonhados ou o medo silencioso de partir. A memória, aqui, atua como lente que aproxima narrador e leitor, convidando-o também a acompanhar as trajetórias de mulheres que migraram, em sua maioria, para Portugal, mas também para a França, não como figura deslocada, mas como presença ativa e transformadora. Esta grande reportagem, portanto, propõe-se como um convite à imersão nessas trajetórias, onde a memória é, também, uma possibilidade de reinvenção.
A vivência de um intercâmbio acadêmico internacional é uma porta que se abre para um mundo de descobertas, onde o aprendizado de um novo idioma é apenas o ponto de partida. Uma jornada que transforma a vida de cada pessoa, moldando não apenas o futuro profissional, mas também a essência de quem se aventura a vivê-la, as histórias que se entrelaçam nesse caminho enriquecem a alma, expandindo os horizontes e transformando a visão de mundo em um mosaico de cores vibrantes e infinitas possibilidades.
Embora o aprendizado de um novo idioma seja frequentemente associado ao intercâmbio, essa experiência transcende a mera aquisição linguística. A imersão cultural favorece o desenvolvimento de habilidades linguísticas, proporcionando um contato direto com a língua e seus falantes nativos. No entanto, o intercâmbio oferece muito mais do que isso, existem programas de intercâmbio em países que compartilham o mesmo idioma, onde o foco principal não é a língua, mas sim a troca cultural e acadêmica.
Entre os muitos aspectos positivos, o intercâmbio pode ser uma vantagem no mercado de trabalho, pois é uma experiência que demonstra abertura a diversas possibilidades e adaptabilidade, atraindo olhares em um mundo cada vez mais globalizado. Além disso, a rede de contatos do intercâmbio pode ser muito valiosa durante a graduação e em futuras oportunidades de emprego e negócios.
Ao considerar a experiência acadêmica no exterior, é essencial que estudantes reflitam cuidadosamente sobre diversos aspectos, como saúde mental, condições financeiras, os desafios de adaptação e readaptação, além do possível choque cultural, que devem ser avaliadas com atenção.
As motivações para buscar a mobilidade acadêmica são variadas e abrangem desde a realização de um sonho antigo até a curiosidade sobre o funcionamento de instituições de ensino em outros países, também se destacam o desejo de aprender ou aperfeiçoar um novo idioma, o crescimento pessoal e profissional, a ampliação do olhar sobre o mundo, o contato com diferentes perspectivas e a vivência em uma cultura distinta. O vídeo a seguir desvela algumas das razões que inspiram a escolha pelo intercâmbio acadêmico
A escolha do destino é uma decisão crucial, exigindo análise cuidadosa dos prós e contras. Para muitas universidades brasileiras, os editais de mobilidade acadêmica frequentemente incluem a comprovação de proficiência em idiomas como requisito de candidatura. Essa exigência pode ser um obstáculo para alguns estudantes, devido à falta de certificação que ateste sua capacidade de acompanhar as aulas no idioma do país de destino.
Em contrapartida, países de língua portuguesa, como Portugal, geralmente não impõem essa obrigatoriedade, facilitando o processo de candidatura e aceitação. Por essa razão, Portugal se destaca como um destino popular entre acadêmicos de diversas instituições brasileiras, atraídos tanto pela familiaridade do idioma quanto pela reputação internacional de suas universidades, como a Universidade do Porto, a Universidade de Lisboa, a Universidade de Coimbra e a Universidade do Algarve, entre outras.
Na Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC Goiás), o convite para atravessar fronteiras e viver novas experiências acadêmicas se renova duas vezes ao ano. Segundo o professor de Administração e assessor de Relações Internacionais, Paulo José Gonzaga Ribeiro, o processo de candidatura à mobilidade acadêmica abre as portas para que os estudantes escolham entre partir do segundo semestre, conforme seus sonhos e planos.
A universidade possui atualmente 37 convênios de mobilidade acadêmica, destes 11 são destinados exclusivamente à graduação, enquanto os demais abrangem programas de pós-graduação e mobilidade para professores. Os critérios de seleção exigem que o candidato seja aluno de graduação, tenha concluído os dois primeiros semestres do curso e não esteja cursando o último semestre durante o período de intercâmbio.
O áudio a seguir é do professor Paulo Gonzaga, que detalha, com clareza, os critérios exigidos para a candidatura ao programa de intercâmbio.
Após a aprovação inicial em algumas instituições, os candidatos devem preparar uma série de documentos cruciais, incluindo cartas de recomendação de professores, aprovação do coordenador do curso, histórico acadêmico, currículo e uma carta pessoal que expresse claramente o interesse na instituição de destino. A colaboração de orientadores e da direção do departamento é fundamental para a seleção de disciplinas e a conclusão bem-sucedida do processo.
Além dos requisitos acadêmicos e documentais, o suporte financeiro desempenha um papel significativo, algumas instituições oferecem bolsas de estudo que cobrem total ou parcialmente os custos da mobilidade, enquanto outras podem não dispor de tais recursos. Nesses casos, os candidatos precisam estar preparados para arcar com despesas como passagens aéreas, acomodação e outros custos de vida no exterior. Portanto, é essencial que os candidatos pesquisem e compreendam as políticas de apoio financeiro das instituições envolvidas para garantir uma experiência de mobilidade viável.
Com a experiência de quem já orientou dezenas de estudantes rumo ao exterior, o professor Paulo José (foto) descreve com clareza e empatia os desafios enfrentados por quem decide embarcar na mobilidade acadêmica. A jornada, segundo o professor, começa bem antes do embarque, entre burocracias e escolhas acadêmicas delicadas. Mas é a espera que mais pesa, respostas lentas, vistos demorados e uma ansiedade crescente. Muitos persistem, mas alguns desistem antes mesmo de partir, frustrados por um sonho travado na burocracia.
Embora a mobilidade acadêmica seja amplamente conhecida, ainda é uma oportunidade pouco explorada por muitos estudantes, a falta de informação sobre os programas disponíveis impede que mais alunos se interessem. Além disso, observa-se uma diferença significativa na demanda por intercâmbio antes e depois da pandemia, especialmente devido à oferta de bolsas que auxiliam no custeio das despesas durante a experiência.
Segundo o assessor Paulo José, o interesse dos estudantes pelo intercâmbio acadêmico tem se mantido alto nos últimos anos, especialmente no período pós-pandemia (2022-2023). No entanto, a principal dificuldade enfrentada é a questão financeira, uma vez que não há mais programas de bolsas para auxiliar na mobilidade. Anteriormente, existia uma parceria com o Santander, mas ela foi encerrada, e a crise econômica global, aliada à valorização do euro e do dólar em relação ao real, tem tornado as viagens mais difíceis. Muitos alunos buscam informações por diferentes canais, como e-mail, chat do Teams e atendimentos presenciais, mas os custos elevados com passagem, moradia e seguro saúde acabam reduzindo o número de estudantes que conseguem concretizar a experiência de mobilidade.
“Pós-pandemia entre 0.5% a 1%, por causa da pandemia, ou seja, nós contamos com o universo de aproximadamente 13.000 alunos, desde o pós-pandemia, são 10, uma média de 10, 8. Esse semestre eu tô com 12 (alunos interessados). Então é um número expressivo comparando com o pós-pandemia. Mas eram 4, 6. Então entre 0, eu consideraria pelo universo de 13.000 alunos 0.5 a 1%”, reforça Paulo.
Ana Clara Collet Rocha tem apenas 18 anos, mas já carrega consigo a inquietação típica de quem enxerga o mundo como um vasto campo de possibilidades. Acadêmica do 3º período de Jornalismo na Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC Goiás), ela alimenta o firme propósito de cruzar o Atlântico em 2026, quando pretende realizar intercâmbio em Portugal.
O interesse em estudar na Espanha sempre esteve presente, porém devido a logística e questões familiares da acadêmica Ana Clara (foto), o país não se mostrou uma opção viável. Momento em que Portugal se tornou uma possibilidade mais acessível, tanto pela facilidade de adaptação quanto pela qualidade das universidades que oferecem o curso de Jornalismo.
Apesar de estar ciente dos desafios que poderá enfrentar, ela espera aproveitar ao máximo a experiência, seu plano é viajar acompanhada de uma amiga, o que tornaria a jornada ainda mais especial, permitindo que ambas compartilhassem momentos importantes. Com otimismo, ela deseja que tudo ocorra bem e que essa fase em Portugal seja repleta de aprendizados e felicidade.
Mais do que um simples deslocamento geográfico, a ideia de vivenciar outra cultura pulsa como um convite irrecusável à descoberta, de um novo país, de outras formas de existir e de narrar o mundo. Para Ana Clara, mergulhar em uma realidade diferente representa não apenas um enriquecimento pessoal, mas também um exercício essencial de comparação e aprendizado, sobretudo em relação às práticas jornalísticas desenvolvidas no Brasil e no exterior. É com esse olhar curioso e aberto que ela projeta o futuro, disposta a explorar fronteiras, desbravar linguagens e trazer, na bagagem, não apenas novas histórias, mas uma visão mais ampla e sofisticada da profissão que escolheu para a vida.
Desde os primeiros passos na graduação em Arquitetura e Urbanismo na PUC Goiás, Pedro Henrique Lima Machado, de 25 anos, cultivava o desejo de atravessar fronteiras e mergulhar em uma experiência internacional. Determinado, buscou informações sobre o processo e as universidades parceiras ainda nos primeiros períodos do curso. Quando, enfim, a oportunidade se apresentou, não hesitou, iniciou de imediato os preparativos para o intercâmbio que, por seis meses, o levaria à vibrante Universidade de Sevilha, na Espanha.
Desde cedo, Pedro Henrique sabia que estudar fora do país não seria simples. Escolheu a Espanha como destino, mas antes disso, precisava vencer etapas difíceis. Sabia que precisava manter uma média acima de 7, não ter reprovações e ainda aprender espanhol em nível intermediário.
Sem perder tempo, Pedro Henrique (foto) decidiu estudar a língua por conta própria e mergulhou no novo idioma com determinação. Ao mesmo tempo, cuidava das notas, entregava os trabalhos em dia e se mantinha longe das temidas reprovações. Quando o edital do intercâmbio foi aberto, ele já estava pronto. Procurou o professor responsável, reuniu todos os documentos exigidos e acompanhou cada etapa com atenção. Mais do que cumprir pré-requisitos, ele conquistou um sonho. E provou que organização, foco e persistência podem, sim, atravessar oceanos.
De acordo com o professor, após a fase de candidatura e as questões burocráticas, os estudantes de intercâmbio frequentemente enfrentam desafios significativos ao chegarem ao país de destino, a adaptação ao novo ambiente acadêmico e cultural é uma das principais dificuldades. As universidades estrangeiras, com estudantes de diversas nacionalidades, podem não oferecer atenção individualizada no início do semestre, exigindo que os alunos se adaptem rapidamente aos horários e atividades.
Além disso, a busca por moradia tem se tornado um obstáculo crescente, especialmente na Europa pós-pandemia, o aumento dos preços e a preferência dos proprietários por aluguéis de curto prazo em plataformas como o Airbnb têm dificultado a vida dos estudantes. É essencial que os intercambistas se preparem para essas dificuldades, pois a experiência no exterior pode ser bem diferente do que era antes da pandemia.
Ao chegar no país de destino para a mobilidade acadêmica, após a organização dos documentos e a definição dos horários das aulas, inicia-se uma nova rotina acadêmica. Esse processo, no início, pode ser muito diferente da vivenciada no Brasil. Os horários, as disciplinas, os professores e até mesmo a dinâmica dentro da sala de aula costumam variar, tornando a adaptação um desafio. Além disso, por estar em uma nova instituição, o estudante não conhece as pessoas do ambiente acadêmico, o que pode gerar estranhamento em relação ao comportamento dos outros, à metodologia dos professores ou até mesmo à interação com os colegas.
Bianca Magalhães ainda se lembra do encantamento que sentiu ao chegar ao Porto. As bibliotecas acolhedoras, os corredores silenciosos e os prédios que combinavam a elegância da arquitetura antiga com a eficiência de uma estrutura moderna criavam um ambiente propício ao estudo. Tudo parecia cuidadosamente planejado para facilitar o aprendizado e acolher quem vinha de longe. Mesmo com o custo alto das refeições, ela logo encontrou um ritmo leve entre as aulas bem distribuídas, os passeios pela cidade e os laços que foi criando com estudantes de outras partes do mundo.
No curso de Direito, surpreendeu-se com a existência de momentos dedicados exclusivamente à prática, encontros voltados à resolução de casos, onde teoria e experiência caminhavam lado a lado. Havia ali uma valorização concreta da formação acadêmica, sentida não só nos espaços, mas na proposta pedagógica.
Ao retornar à Bahia, o contraste era impossível de ignorar. A universidade onde estuda carrega marcas do tempo e da negligência, salas abafadas, banheiros sem papel, quedas de energia que interrompem as aulas noturnas. A escassez de recursos se revela em cada detalhe do cotidiano, impondo limites silenciosos à vivência universitária. Depois de viver uma experiência em que o básico era garantido e a educação tratada com cuidado, Bianca passou a enxergar com mais nitidez o quanto a estrutura também educa, ou silencia.
Foi no silêncio das salas de aula portuguesas que Mariana de Oliveira sentiu o vazio que só a ausência do pensamento crítico pode deixar. Acostumada, no Brasil, a mergulhar em leituras densas, a debater ideias com profundidade e a produzir textos que exigiam mais do que simples memorização, ela estranhou o ritmo mais leve das disciplinas que encontrou no exterior. Faltavam textos para ler, artigos para discutir, provocações teóricas que desafiam o olhar sobre o mundo. Apenas em uma disciplina, conduzida por uma professora brasileira, sentiu-se novamente instigada e, talvez por isso, tenha se agarrado àquela única exceção como quem encontra um porto seguro em meio à calmaria. A ausência de discussões com viés social e a escassez de conteúdo crítico fizeram com que a experiência, para ela, deixasse a desejar em profundidade.
Gabriela da Cunha, por sua vez, viu-se diante de um novo território intelectual. Acostumada a uma formação mais prática em Salvador, onde a leitura de artigos e textos teóricos nunca foi rotina, estranhou e admirou o peso que os professores portugueses atribuíam à dimensão acadêmica. Aos poucos, foi aprendendo a navegar por entre conceitos, a decifrar autores e a construir argumentos com mais embasamento. A exigência por leituras constantes e reflexões mais elaboradas, que a princípio parecia árdua, logo se revelou uma porta aberta para outro jeito de aprender mais exigente, mas também mais enriquecedor. Ainda que tenha considerado alguns conteúdos básicos ou desatualizados, atribuiu isso ao fato de ter cursado disciplinas iniciais. Mesmo assim, não deixou de perceber o impacto que essa imersão teve em sua trajetória universitária.
Duas vivências, dois olhares que se cruzam na travessia entre o familiar e o estrangeiro. Mariana sentiu falta de um terreno já conhecido e Gabriela descobriu um campo novo a ser explorado. Ambas, no entanto, retornaram com a bagagem ampliada, não apenas de conteúdos, mas de perspectivas. Porque, no fim, a mobilidade acadêmica é também esse espelho que reflete as diferenças e revela, em cada comparação, um pouco mais sobre quem somos e como aprendemos.
Os professores portugueses adotavam uma postura mais formal, contrastando com a proximidade comum no Brasil, onde muitos docentes acabam desenvolvendo relações mais próximas e até de amizade com os alunos. Adaptar-se à cultura local envolveu, portanto, superar essa barreira da formalidade e, em alguns momentos, lidar com manifestações sutis de preconceito, a condição de intercambista, aliada à nacionalidade brasileira, exigia um esforço contínuo para demonstrar competência, comprometimento e dedicação.
Bruna Rodrigues de Oliveira guarda da sua passagem pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto (FLUP) não apenas as paisagens antigas que moldavam a cidade, mas também os gestos contidos que marcavam a vida acadêmica. Jornalista formada pela Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc), ela viveu, durante seis meses, uma experiência que desafiou não só seu repertório profissional, mas também suas expectativas humanas. Logo nos primeiros dias, percebeu que o ritmo era outro. Os corredores eram mais silenciosos, os professores mantinham certa formalidade, e o contato, tão natural e aberto no Brasil, parecia atravessado por uma distância sutil, difícil de nomear, mas fácil de sentir. A informalidade que lhe era familiar, aquela troca rápida no fim da aula ou um comentário descontraído durante a explicação, ali parecia fora de lugar.
Além da diferença nos laços, Bruna carregou, ao longo da experiência, uma sensação recorrente, a de precisar provar constantemente sua competência. Sem nunca enfrentar preconceitos diretos, notava olhares que avaliavam, palavras que soavam cuidadosas demais, e uma leve barreira entre o que ela era e o que pareciam esperar dela. A condição de intercambista, breve e estrangeira, parecia exigir dela não apenas dedicação, mas reafirmação. Mesmo entre elogios e boas notas, pairava a sensação de que precisava mostrar que merecia estar ali.
No fim, a experiência se revelou maior do que as aulas ou os conteúdos aprendidos. Foi no intervalo entre culturas que surgiram as reflexões mais profundas. De volta ao Brasil, a gaúcha carregava um olhar afinado para as delicadezas do acolhimento, para as pressões silenciosas que pesam sobre quem cruza fronteiras. Aprendeu, sobretudo, que pertencer é um gesto que se repete, discreto, dia após dia. No áudio a seguir, Bruna de Oliveira narra o encontro com os professores portugueses e conta como, vivendo a mobilidade, percebeu nuances que antes lhe escapavam.
A vivência no exterior, marcada pela troca com outros estudantes e pela imersão na cultura local, deixa memórias positivas e saudade da rotina. Cada experiência é única, moldada pela disposição individual e pelas circunstâncias. Relatos de intercambistas revelam, em sua maioria, sentimentos de felicidade, embora desafios também façam parte da jornada, para alguns, superados pelos bons momentos e para outros, mais marcantes desde a escolha do destino.
A falta de apoio institucional das universidades de origem e destino deixou os intercambistas sem suporte adequado, sendo a ESN (Erasmus Student Network) a principal responsável pela integração, um programa que une estudantes internacionais da Universidade do Porto na organização de atividades que geram interações entre os intercambistas, por meio de festas, passeios na cidade e pequenas viagens para que os estudantes erasmus, como são chamados aqueles estudantes de fora, a entenderem e conhecerem a cultura e história de Portugal.
Cada encontro atravessava fronteiras invisíveis, tecendo uma rede de afetos e descobertas entre pessoas de diferentes nacionalidades. Mais do que estar em outro país, era sobre deixar-se transformar pelas pequenas experiências do cotidiano, ouvir um idioma desconhecido no mercado, aceitar um convite inesperado para um café, partilhar silêncios e risadas com quem, até pouco tempo, era um completo estranho. Assumir a própria rotina, morar longe da família e lidar com a solidão deixavam de ser um desafio e se convertiam, pouco a pouco, em uma silenciosa conquista de autonomia e força.
As viagens acessíveis realizavam antigos desejos, transformando sonhos de infância em paisagens vividas sem pressa. A segurança acolhia e, mais ainda, encorajava, abria caminhos, diminuía o medo e alimentava a vontade de explorar. Assim, cada deslocamento tornava-se também uma travessia interna, o gesto de quem, ao cruzar fronteiras geográficas, atravessava, sobretudo, as próprias.
Entre os desafios enfrentados por quem escolhe Portugal para estudar, as lacunas nas leis trabalhistas se destacam com força. Acadêmicos que embarcam na experiência da mobilidade internacional, muitas vezes, não encontram respaldo financeiro em suas instituições de origem. Essa ausência os empurra para o mercado de trabalho local, onde conciliam jornadas de emprego com as demandas dos estudos. Laryssa Leal, Bianca Magalhães e Gabriela da Cunha já acumulavam o esforço entre trabalho e formação antes da mudança, lá, essa rotina se intensificou, tornando a sobrevivência diária um exercício de resistência. O cenário profissional se torna ainda mais complexo diante do alto fluxo migratório. Vagas rejeitadas pela população nativa frequentemente são ocupadas por imigrantes, que, em busca de sustento, aceitam condições que beiram a exploração.
Ao acompanhar as interações e escutar os relatos, a discrição habitual dos portugueses pode, à primeira vista, provocar certo estranhamento. A comunicação direta, muitas vezes interpretada por brasileiros como frieza ou indiferença, revela-se, na verdade, um traço enraizado na cultura local, distante de qualquer intenção de afastamento. Mas, à medida que as conversas se aprofundaram, emergiram também relatos sobre manifestações de preconceito, especialmente atribuídas a gerações mais antigas, que expressam desconforto diante da presença cada vez maior de imigrantes.
Não foi apenas um intercâmbio, para Lídia Sacramento de Souza (foto), de 26 anos, a travessia até Portugal representou um encontro com outra forma de aprender. Estudante de Relações Públicas na Universidade do Estado da Bahia (UNEB), passou seis meses imersa em uma rotina acadêmica na Faculdade de Letras da Universidade do Porto (FLUP), que logo percebeu que seguia um compasso distinto daquele ao qual estava acostumada. As mudanças não estavam apenas no idioma ou no cenário, mas na própria relação com o saber.
No Brasil, Lídia vivenciou uma formação pautada por leituras densas e rigor acadêmico, em Portugal, deparou-se com um ensino mais superficial. Nesse contraste, percebeu que estudar fora é também um processo de autoconhecimento e adaptação.
As aprendizagens mais profundas não acontecem nas salas de aula, mas nos intervalos silenciosos da rotina, onde a cultura do outro se revela de forma discreta, nos pequenos gestos e nas diferenças quase imperceptíveis. É ali que o intercambista, imerso em um ambiente desconhecido, começa a perceber como funciona o sistema acadêmico local, quais critérios orientam as avaliações e como essas diferenças moldam uma experiência universitária distinta daquela que conhecia.
Com o tempo, sem que note, traços de si vão se redesenhando. O contato com outras pessoas, com histórias e hábitos tão diversos, amplia não apenas o repertório, mas também a maneira como passa a perceber o outro e, inevitavelmente, a si mesmo. O intercâmbio se desenha, assim, como um processo silencioso de transformação, que vai muito além da simples adaptação a um novo país.
Quando se parte em busca do novo, nem sempre é o desconhecido que assusta, às vezes, é o que se reconhece, mesmo à distância. Para o professor Paulo José, embarcar em um intercâmbio acadêmico não é saltar de um sistema para outro com fôlego preso, é, antes, atravessar uma ponte firme, em que o conhecimento caminha com equilíbrio. O nível de exigência, segundo ele, não muda drasticamente. A formação oferecida pela PUC Goiás, com sua base sólida, sustenta bem os desafios das universidades parceiras. Ainda assim, é preciso mais do que preparo técnico: o estudante que cruza fronteiras precisa levar na bagagem disciplina, autonomia e curiosidade para enfrentar o novo, mesmo quando os caminhos são familiares.
Mas é nas entrelinhas da convivência diária que os verdadeiros desafios culturais se revelam. Gonzaga chama atenção para as diferenças de trato, quase imperceptíveis aos olhos desatentos. Em muitos contextos, a comunicação é mais direta, sem os rodeios afetivos que marcam o jeito brasileiro de falar. A ausência de sorrisos fáceis, de gestos espontâneos, pode parecer, a princípio, frieza. Mas não é. É apenas outra gramática do convívio. Com o tempo, esse estranhamento se dissipa. E então, o que antes parecia silêncio, transforma-se em compreensão. O intercâmbio, nesse momento, deixa de ser apenas deslocamento geográfico e passa a ser encontro com o outro, com o mundo e consigo mesmo.
Foi em meio aos corredores silenciosos da Faculdade de Letras da Universidade do Porto (FLUP) e às salas iluminadas da Faculdade de Direito da Universidade do Porto (FDUP) que Bianca Magalhães de Silva (foto), estudante de Direito da Universidade Federal da Bahia (UFBA), viveu sua travessia acadêmica. Durante sete meses, entre risadas, bebidas, aprendizados e passeios pelo Rio Douro, ela experimentou uma rotina simples, prática e, ao mesmo tempo, reveladora. As exigências acadêmicas não a surpreenderam, vinham organizadas, claras, com um ritmo que permitia aprender sem atropelos.
O verdadeiro desafio, no entanto, não estava nos livros ou nas provas. Surgia, sutil, nas conversas do dia a dia, nos olhares mais contidos, nas palavras que chegavam sem floreios. No início, os portugueses lhe pareceram duros, quase ríspidos. A ausência de sorrisos fáceis e gestos calorosos a desconcertava. Mas, com o passar dos dias, Bianca aprendeu a ler além da superfície. Compreendeu que aquela era apenas outra maneira de dizer, de se conectar, mais direta, menos adornada, mas não menos genuína. E foi nesse estranhamento inicial que encontrou um dos maiores aprendizados da viagem, o de que, às vezes, é preciso silenciar os próprios hábitos para realmente escutar o outro
Entrelaçadas pela história, Brasil e Portugal carregam memórias que, por vezes, moldam as percepções contemporâneas. Para os intercambistas, essa ligação histórica trouxe desafios sutis na adaptação cultural, tornando o convívio um pouco mais complexo do que se poderia imaginar. Embora o choque cultural tenha sido brando, algumas diferenças vieram à tona, o clima que convida a uma nova rotina, o jeito diferente de acolher, mais reservado, das pessoas locais.
Em meio a essa experiência, pequenos gestos de distância e casos isolados de xenofobia deixaram marcas. Essas nuances, embora discretas, foram suficientes para que muitos estrangeiros buscassem refúgio na companhia de outros que também navegavam a sensação de estar longe de casa. Assim, os laços entre intercambistas se fortaleceram, criando uma rede de apoio diante das sutilezas de um ambiente que ainda precisava ser completamente desvendado.
Gabriela da Cunha recorda que, apesar do acolhimento inicial na universidade, o ambiente dentro da sala de aula nem sempre foi tão receptivo quanto parecia. Entre os colegas, surgiram atitudes silenciosas, mas dolorosas, de exclusão. A experiência de ser a única pessoa negra na turma transformou-se em um isolamento visível, na hora de formar grupos, ela foi deixada de lado, ignorada de forma consciente e cruel. No fim, acabou integrada ao último grupo possível, uma decisão que parecia mais uma imposição do que uma escolha, um pequeno refúgio contra o isolamento completo.
O peso desse episódio foi ainda maior por conta da presença de uma colega que não escondia seu preconceito, fazendo questão de provocar e desestabilizar Gabriela. O embate entre elas culminou em uma discussão séria no final do semestre, deixando marcas difíceis de apagar. Para Gabriela, esse conjunto de experiências evidenciou não só a dureza do convívio, mas também a amargura, às vezes velada, que encontrou tanto em colegas quanto em professores durante sua estadia no Porto.
Ao longo de cada semestre, os intercambistas foram encontrando seu ritmo, desvendando aos poucos as nuances da vida acadêmica e cultural em Portugal. Entre as dificuldades iniciais e os ajustes necessários, cada um construiu seu caminho de crescimento pessoal, aprendendo a lidar com as diferenças que antes pareciam tão desafiadoras. A superação dos obstáculos transformou a experiência em uma verdadeira jornada de descobertas e autoconhecimento.
Mesmo diante dos desafios enfrentados durante esse período, muitos mantêm vivo o desejo de retornar ao Porto. Para esses intercambistas, os seis a sete meses foram mais do que uma etapa na trajetória acadêmica, representaram um período de transformação, que ampliou seus horizontes e deixou marcas profundas. E, apesar das adversidades, a lembrança daquela vivência ressoa como um convite constante para reviver e aprofundar o contato com o novo.
A possibilidade de participar de uma mobilidade acadêmica internacional é uma oportunidade valiosa de aprendizado, permitindo uma comparação entre o ensino no Brasil e em outras partes do mundo. Essa experiência amplia a compreensão sobre a importância da educação no desenvolvimento das diversas áreas do conhecimento. Além disso, o intercâmbio proporciona o aprimoramento de diversas habilidades, tanto no âmbito acadêmico quanto na vida pessoal. Vivenciar essa experiência transforma não apenas a visão de mundo, mas também os sentimentos e percepções de quem participa, tornando-se um fator significativo para o crescimento e o aprofundamento em questões acadêmicas e pessoais.
Foi um ponto de virada silencioso, quase imperceptível no início, mas que com o tempo se revelou profundo. Romper com a familiaridade dos dias marcados por rotinas conhecidas exigiu mais do que coragem, exigiu entrega. O intercâmbio não significou apenas mudar de país, significou despir-se do que era habitual para vestir-se, aos poucos, do desconhecido. Muitos relatos dos intercambistas, nascem de realidades conservadoras, onde o mundo parece caber num raio estreito de certezas. A travessia para o novo, portanto, não foi apenas geográfica. Houve uma abertura para um universo vasto e, por vezes, desconcertante, que exigiu olhos atentos e o coração disposto a recomeçar.
Entre tropeços e descobertas, vieram também os problemas de saúde enfrentados longe da rede de apoio, promessas quebradas que se revelaram calotes, dificuldades em decifrar o tempo e o temperamento de outra cultura. Mas nada disso apagou a potência da vivência. Foi, acima de tudo, um processo de reconfiguração interna. Como quem costura, fio a fio, uma nova versão de si, em contato com o inesperado. E, ao fim, o que permanece não é o desconforto dos dias difíceis, mas a nitidez com que o mundo se alargou e a certeza de que voltar já não significaria ser o mesmo.
Encarar um idioma familiar, mas repleto de variações, foi um dos primeiros desencontros vividos em sala de aula. O português de Portugal, com suas expressões, entonações e ritmos próprios, surpreendia até os mais atentos. Palavras conhecidas ganhavam novos sentidos, e o entendimento exigia mais do que fluência, era preciso sensibilidade para atravessar as sutilezas da língua e escuta atenta para decifrar o não dito. Foi uma travessia silenciosa, mas transformadora, que levou a conhecer um outro modo de falar e, também, de estar no mundo.
Ainda assim, não raro, o inglês tornou o idioma comum nas salas multiculturais, reunindo estudantes de diferentes partes do globo. No esforço coletivo de entender e se fazer entender, surgiam os primeiros laços. As aulas, os intervalos e as conversas despretensiosas tornaram-se espaços de encontro entre culturas, onde se aprendia tanto fora quanto dentro da sala. Mais do que um aprendizado linguístico, era uma abertura para o outro, uma vivência que deixava marcas não só no vocabulário, mas na própria forma de se relacionar com o mundo.
A experiência internacional, apesar dos percalços inevitáveis, abriu frestas por onde passou uma luz antes desconhecida, a de um olhar mais amplo sobre o mundo e, sobretudo, sobre si mesmas. O encontro com culturas tão distintas não apenas desafiou certezas, mas também provocou reflexões profundas sobre identidade, pertencimento e transformação. Adaptar-se a esse novo território cultural foi um processo que oscilou entre o desconforto e o encanto, exigindo coragem diante das dúvidas e força para superar os dias mais áridos. No entanto, ao final, o que restou foi uma sensação arrebatadora de realização. Cada descoberta, sobre o outro, sobre a sociedade ao redor e, principalmente, sobre a própria trajetória, compôs uma espécie de cartografia íntima. Foram aprendizados que ultrapassaram as fronteiras do pessoal e do profissional, tornando aquela vivência breve uma imersão definitiva, marcada não pelo tempo de duração, mas pela intensidade com que foi vivida.
O intercâmbio também se configurou como uma oportunidade de reflexão sobre a identidade, especialmente para as mulheres entrevistadas, provenientes de diferentes partes do país, etnias, orientações sexuais, ideologias e tonalidades de pele. Muitas delas se viram em posições de representatividade, não apenas por suas características únicas, mas também pelas trajetórias de vida, que se tornaram fontes de inspiração para outras pessoas. Vários relatos destacam o retorno positivo que receberam, com mensagens de agradecimento e reconhecimento, por mostrar que é possível alcançar certos espaços, e por terem sido corajosas o suficiente para tentar, mesmo diante das dificuldades.
No final, a experiência não apenas marcou um ponto de inflexão nas vidas pessoais e profissionais de cada um, mas também se tornou um aprendizado contínuo, impactando diretamente a forma como passaram a enxergar o mundo e a si mesmos. A lição mais importante foi perceber que, embora o intercâmbio tenha sido um desafio, abriu portas para um futuro repleto de possibilidades, tornando-se uma parte essencial de sua jornada de crescimento e autodescoberta.
Sete meses na Faculdade de Letras da Universidade do Porto (FLUP), em Portugal abriram caminhos inesperados, revelando mais do que um ambiente acadêmico, um espaço para crescimento pessoal e profissional. Mariana Gomes de Oliveira (foto), estudante de Relações Públicas na Universidade do Estado da Bahia (UNEB), encontrou ali um convite ao autoconhecimento e ao contato com culturas que desafiaram suas percepções.
No campo profissional, as experiências ampliaram seus horizontes, abrindo portas para novos olhares e possibilidades. No cotidiano, as diferenças entre sua terra natal e o país europeu ecoaram em detalhes: a segurança que tranquiliza as ruas, as demandas simples do dia a dia que revelam modos distintos de viver. Esse mergulho em realidades diversas trouxe a Mariana uma maturidade silenciosa, uma pausa necessária para repensar o que significa, para ela, qualidade de vida.
Passagens aéreas, moradia, alimentação, seguro-saúde, taxas acadêmicas, cada item da lista pesa não só no bolso, mas na decisão de quem sonha cruzar fronteiras com a mala cheia de expectativas. A mobilidade internacional, embora encantadora em essência, pode revelar-se um sonho caro, que exige mais do que planejamento, demanda renúncias discretas, ajustes no cotidiano, escolhas feitas com o coração apertado e os pés no chão. Ainda assim, há caminhos que aliviam o peso, bolsas de estudo que abrem portas, programas de financiamento, estágios remunerados e apoios oferecidos por instituições de ensino e organizações ao redor do mundo. Com estratégia, pesquisa e esperança, é possível transformar o desafio financeiro em ponte, e não em barreira, para uma experiência transformadora.
O custo de um intercâmbio varia significativamente, pois depende de diversos fatores, como o destino escolhido, a duração da estadia, a época da viagem, o custo de vida no local e até mesmo a possibilidade de trabalhar durante a experiência. Planejar financeiramente essa jornada envolve, entre outras etapas, a compra de moeda estrangeira, um passo essencial para garantir tranquilidade durante a estadia.
Em alguns casos, a própria instituição de ensino oferece respaldo aos estudantes, disponibilizando auxílio pontual, seja no custeio das passagens aéreas ou, em editais mais generosos, em apoio parcial para moradia e alimentação durante o intercâmbio. No entanto, essa não é uma realidade universal, há universidades cujos editais não preveem qualquer tipo de bolsa ou apoio financeiro, transferindo ao estudante e, muitas vezes, à sua família, o desafio de arcar integralmente com os custos da mobilidade. Quando não há esse respaldo institucional, o sonho de estudar fora passa a depender diretamente da capacidade financeira dos responsáveis, que, por exigência formal, precisam comprovar que poderão sustentar a jornada. É nesse ponto que o intercâmbio deixa de ser apenas uma experiência acadêmica e se revela também como uma travessia de esforço coletivo, feita de sacrifícios, escolhas e comprometimento.
Por muito tempo, o intercâmbio pareceu apenas uma ideia distante para Anna Lua Anatalio da Silva (foto), 25 anos, jornalista formada pela PUC Goiás, artista de circo e teatro, intérprete de Libras e profissional atuante em redes sociais. Em 2019, essa distância se estreitou com a conquista de uma bolsa Santander Ibero-Americana, no valor de 3 mil euros, que lhe permitiu passar um semestre na Faculdade de Letras da Universidade do Porto (FLUP), em Portugal. A viagem aconteceu pouco antes da pandemia da COVID-19, que interrompeu esse tipo de programa, tornando a oportunidade ainda mais rara e valiosa para quem, como Anna, viu nela a chance de transformar um sonho em realidade.
O professor Paulo Gonzaga, destaca que a oferta de bolsas para intercâmbio sofreu uma grande redução nos últimos anos. Antes da pandemia, programas como o Ciência Sem Fronteiras, do Governo Federal, e o programa de mobilidade do Santander permitiam que dezenas de alunos realizassem intercâmbio, especialmente aqueles de baixa renda. No auge desses programas, a PUC Goiás chegou a enviar até 80 alunos por semestre para o exterior. Com o fim das bolsas, esse número caiu drasticamente, chegando a apenas 6 a 12 estudantes por semestre.
Além da falta de financiamento, o alto custo também se tornou um grande desafio, agravado pela desvalorização do real. Atualmente, uma passagem para a Europa pode custar entre R$ 4.000 e R$ 5.000, e o custo mensal de vida, que antes girava em torno de 400 euros, agora chega a 700 ou 800 euros. Diante desse cenário, a PUC Goiás e outras instituições buscam novas parcerias e apoio governamental para retomar as bolsas e ampliar a mobilidade acadêmica.
O caminho para o intercâmbio de Mariana Gomes, começou com a aprovação em um edital interno da universidade, que oferece recursos próprios para apoiar a mobilidade estudantil. Ela garantiu a modalidade mais completa, passagem de ida e volta, bolsa mensal de 400 euros durante seis meses e um auxílio inicial de 400 euros para despesas como caução.
O edital previa quatro opções de apoio, que iam desde a cobertura total dos custos até a ausência de qualquer auxílio, deixando o estudante responsável por todas as despesas. Hoje, todos os selecionados recebem o pacote completo, um passo importante para ampliar o acesso e tornar possível a realização desse sonho.
Sabendo que a mobilidade acadêmica no Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (ICBAS), seria um desafio financeiro, Laryssa Leal de Araújo, estudante de Medicina Veterinária na Universidade Federal Fluminense (UFF) no Rio de Janeiro, decidiu desde o começo enfrentar sozinha essa jornada. Durante meses, acumulou economias entre iniciação científica e monitoria, determinada a não depender dos pais. Ainda assim, partiu do Brasil com a convicção clara de que precisaria trabalhar para se manter em Portugal.
Ao desembarcar, Laryssa Leal (foto) carregava na mala alguns alimentos, uma tentativa pragmática de conter os gastos nos primeiros dias. Mas a realidade logo impôs seu peso, uma refeição simples no restaurante do IKEA consumiu mais de 200 reais, deixando claro que economizar seria mais difícil do que imaginava. Sem hesitar, lançou-se à procura de trabalho, enviou currículos, vasculhou grupos de WhatsApp e Facebook, determinada a conquistar sua independência e garantir a permanência longe de casa.
A escassez de recursos faz com que muitos estudantes desistam da mobilidade internacional, enquanto aqueles que seguem adiante, quase sempre com o apoio financeiro da família, tendem a permanecer apenas um semestre e, não raro, recorrem a empregos informais no país de destino para se sustentar.
Fundada em 1943 por Ingvar Kamprad, na província sueca de Småland, a IKEA consolidou-se ao longo das décadas como uma gigante do varejo mundial. Especializada na produção e venda a retalho de móveis, decoração, eletrodomésticos e acessórios para o lar, além de uma linha própria de alimentos, a marca sueca detém, desde 2008, o título de maior retalhista de móveis do planeta. A presença internacional impressiona: até setembro de 2023, eram 462 lojas espalhadas por 59 países. A Alemanha lidera como o principal mercado da empresa, com 55 unidades, seguida de perto pelos Estados Unidos, que contam com 52 lojas.
Viajar para o exterior significa se afastar de tudo o que se conhece, das pessoas que se tem por perto, e no início, muitas situações desafiadoras podem surgir. Por isso, a saúde mental se torna um ponto crucial, que deve ser considerado tanto antes do intercâmbio quanto ao longo de todo o processo de mobilidade.
Gabriela da Cunha Santos costumava caminhar pelas ruas do Porto com a sensação de que, a cada passo, algo lhe escapava do outro lado do oceano. Jornalista, participou do intercâmbio na Faculdade de Letras da Universidade do Porto (FLUP) pouco antes de se formar e, compartilhou sobre como a solidão e a saudade tomaram formas inesperadas naquela experiência. Não foram os pais que mais lhe fizeram falta, mas a namorada, com quem mantinha um vínculo sólido, quase um abrigo silencioso.
As chamadas de vídeo e as mensagens constantes com a família amenizavam a distância, mas o que mais lhe pesava era saber que os sobrinhos e a afilhada continuavam a crescer sem a sua presença. Esse vazio, admitiu, não chegou a derrubá-la emocionalmente.
Apesar de se considerar independente, Gabriela da Cunha (foto) foi surpreendida por uma claustrofobia que não se explicava pelo espaço físico. Sem recursos para voltar ao Brasil, viu a sensação de aprisionamento emocional se intensificar, alimentada pela ausência da família e dos amigos. Estar em outro continente não apenas a afastava dos seus, mas também ampliava a percepção de desconexão, uma solidão discreta, mas que atravessava suas palavras com nitidez.
Portugal não era o destino que Gabriela desejava. Queria a Inglaterra ou os Estados Unidos, mas os caminhos exigiam uma comprovação de proficiência que ela não possuía, nem pretendia ter. Escolheu, então, o que era possível, um país onde a língua, ao menos oficialmente, não seria um obstáculo.
No Porto, porém, se deparou com barreiras de outra natureza. O ambiente acadêmico lhe pareceu rígido, distante, marcado por formalidades que pouco acolhiam. Encontrou algum conforto apenas nas aulas de uma professora brasileira e na previsibilidade exigente de um docente português. Mas um episódio, especialmente, ficou gravado, foi quando uma professora a repreendeu por utilizar material livre de direitos autorais, algo que, para Gabriela, fazia parte da rotina profissional no Brasil e que ali, de súbito, foi tratado como falta grave. As relações com os colegas tampouco ofereceram abrigo. Sempre ignorada na formação dos grupos, só era aceita quando já não restavam opções. E, mesmo assim, acabou enfrentando uma situação de discriminação direta, um conflito aberto com uma colega no final do semestre deixou exposta a tensão silenciosa que já marcava a convivência.
A vivência no Porto, para Gabriela, ficou atravessada por essa sensação persistente de isolamento, um desencontro entre expectativas e realidade. No seu relato, o tom é seco, às vezes amargo, como quem atravessou um lugar onde o acolhimento se revelou mais exceção do que regra. “Nenhum dos alunos fez questão de se aproximar, nem de tentar amizade, eu tentei amizade com alguns, mas ninguém fez muito esforço, e alguns casos de racismo que eu passei”, finaliza a jornalista.
Nem sempre é a distância física que pesa mais, mas aquilo que ela desencadeia, a saudade que aperta de longe, o afastamento dos amigos, o esforço contínuo para se adaptar a um país onde tudo do idioma às rotinas exige outra forma de estar. O confronto com diferenças culturais, por vezes sutis, por vezes aterrorizantes, pode gerar um estranhamento difícil de nomear, e o estresse emocional se acumula, silencioso, até afetar quem, de alguma forma, só queria realizar um sonho.
Nesse percurso, há estratégias possíveis de amparo, manter os vínculos virtuais com quem ficou, buscar a presença de novas amizades no país de destino, aproximar-se de grupos de estudo e pesquisa, onde a convivência com outros imigrantes suaviza o sentimento de deslocamento. O acompanhamento psicológico, sempre que acessível, funciona como um espaço seguro para lidar com os atravessamentos afetivos desse processo, um apoio que, como me explicou a psicanalista Lorena Cotias Macedo, pode fazer toda a diferença na travessia emocional do intercâmbio.
“A importância de fazer amigos, de pertencer a grupos de estudo, de pesquisa, de qualquer coisa na faculdade e a faculdade é um ótimo lugar, não é para você conhecer pessoas novas, pessoas que estão às vezes na mesma situação de imigrantes que você. Então, a partir disso nós gera uma identificação também, por esse viés, então, poder contar também, com a ajuda de um psicólogo, se isso for possível, porque assim vão vir muitas questões a partir dessa experiência, e acho que é isso se respeitar, respeitar seu tempo, é muito comum que as pessoas estejam a todo o tempo se comparando com as experiências dos outros e ninguém está se comparando com pessoas que está na mesma posição que você ou a baixo. A comparação é sempre para mais, para quem está mais ou para que assim a pessoa acha que está mais, então comparação também é algo muito, muito complicado. Então assim, respeitar seu próprio tempo, seu próprio desenvolvimento, suas próprias conquistas e entender que cada um vive uma vida diferente”, afirma a psicóloga.
Na travessia de um intercâmbio, o estudante carrega um duplo desafio, precisa se ajustar não apenas ao país que o recebe, com seus códigos culturais e sociais, mas também ao ambiente acadêmico, que quase sempre opera por lógicas distintas das que conhecia. As metodologias de ensino variam, os critérios de avaliação mudam de tom, e o imigrante, ao ocupar novamente o lugar de aluno, se vê forçado a decifrar essas duas linguagens ao mesmo tempo, a da cultura e a da universidade.
A psicóloga que acompanha de perto os dilemas de quem se aventura no exterior, costuma dizer que “o estudante precisa se adaptar em dois aspectos principais: o cultural e o acadêmico”, enfatizando que a sobreposição dessas experiências pode ser exigente, mas também enriquecedora.
Curiosamente, é nas expectativas que muitos encontram o primeiro impulso para seguir adiante. Para ela, esse movimento é saudável: “as expectativas podem ser positivas, pois geram uma sensação de abertura para o novo”. O desejo de aprender e experimentar o que não se conhece tende a ocupar mais espaço do que o medo, criando uma motivação que prepara a pessoa não apenas para estudar, mas para viver um pouco além de si.
Os desafios, porém, não tardam a chegar e se assemelham, em muitos aspectos, aos enfrentados por qualquer imigrante, o esforço de se integrar, o estranhamento diante de práticas cotidianas e a tentativa de construir um lugar de pertencimento. Mas, como lembra Lorena, quem vai como estudante carrega um peso a mais: a necessidade de se ajustar também ao novo contexto acadêmico, um processo que, segundo ela, “pode ser tanto positivo quanto negativo, dependendo da instituição, dos professores e das metodologias locais”.
A distância de casa se impõe, muitas vezes, como um obstáculo discreto, mas contínuo. A ausência da família e dos amigos alimenta, sem alarde, sentimentos de solidão e desalento, tornando mais difícil a adaptação ao novo ambiente. Não é apenas a geografia que separa, mas a constatação diária de que, longe, pequenas certezas se desfazem e a sensação de deslocamento se amplia. Para alguns intercambistas, a saúde mental nunca foi um aspecto levado em consideração, nem antes, durante, nem após o intercâmbio.
Por outro lado, há aqueles que, mesmo com a partida para a mobilidade, mantiveram o acompanhamento profissional. Em alguns casos, as narrativas indicam que, embora não tenham procurado ajuda, reconhecem que ter feito isso teria sido importante. Mariana Gomes enfrentou a ansiedade durante o intercâmbio, sem acompanhamento profissional na época, percebeu a necessidade desse suporte ao retornar.
“Vulnerabilidade eu diria, mais em questões pessoais, de saúde mental, de não ter ali a rede de apoio, que é a mesma rede de apoio que eu sei que eu tenho aqui e de criar novas redes de apoio, novos laços. Então eu percebi sim essa mudança e muita terapia, ao longo do intercâmbio que ajudou a manter a manter um equilíbrio, se é assim que eu posso chamar”, explica a intercambista.
O regresso ao Brasil, para muitos, é uma travessia silenciosa e árdua, frequentemente mais desafiadora do que a adaptação ao país estrangeiro. Voltar não significa simplesmente retomar a rotina anterior, mas encarar um cenário que, embora familiar, já não é o mesmo, assim como quem retorna também carrega outras marcas. O medo da violência reaparece, a sensação de não mais pertencer ocupa os espaços antes confortáveis e, entre tentativas de resgatar antigos hábitos, desponta a consciência de que algo mudou de forma irreversível. É um choque discreto, mas profundo, que exige tempo e delicadeza para reorganizar o que a experiência transformou.
A readaptação ao Brasil pode ser marcada por limitações na rotina, retorno à convivência familiar e dificuldades em encontrar o mesmo estilo de vida que tinham lá fora. Cidades menores podem parecer monótonas, enquanto grandes centros urbanos podem gerar medo devido à insegurança. Além disso, há a questão emocional, muitos voltam sentindo que deixaram algo inacabado, com o desejo de retornar, a constante comparação entre o Brasil e a experiência vivida no exterior pode gerar um mix de sentimentos.
O fim do intercâmbio não marca apenas a chegada ao país de origem, mas o início de um novo processo delicado, silencioso e muitas vezes solitário. É uma travessia de volta que exige mais do que malas desfeitas, pede paciência, resiliência e um esforço constante para conciliar as experiências vividas lá fora com a rotina que o espera aqui. No áudio a seguir, Bianca Magalhães relata as dificuldades do retorno ao Brasil após o intercâmbio. Ansiedade, insônia e o fuso horário marcaram os primeiros dias de readaptação. O mais difícil, porém, foi lidar com a saudade de Porto e a sensação de ainda pertencer à vida que viveu lá.
A vivência no exterior traz maior clareza sobre os sonhos e fortalece a confiança para enfrentar desafios, os estudantes percebem que, mesmo distantes, os laços familiares permanecem fortes, ao retornar, notam uma mudança em sua forma de pensar, mais aberta às novas possibilidades, cientes de que a experiência os moldou de forma duradoura. O distanciamento leva à valorização de aspectos que antes passavam despercebidos e fortalece a capacidade de lidar com desafios e adversidades, a experiência de viver em um novo país exige adaptação e resiliência, proporcionando um amadurecimento único, moldado pelas vivências e aprendizados adquiridos ao longo do caminho.
Lídia Sacramento entende que o intercâmbio foi essencial para desenvolver sua autonomia e resiliência. Antes, era muito dependente da irmã gêmea e insegura para tomar decisões, mas a experiência a ajudou a enfrentar esses desafios de forma prática. Durante sua estadia, aprendeu a lidar com as próprias emoções, a conviver com a solidão e a respeitar o espaço do outro, especialmente ao dividir a rotina com a colega Mariana, que enfrentava questões de saúde mental. Para ela, viver um dia de cada vez se tornou um lema e uma forma de se fortalecer emocionalmente.
“Então acho que a resiliência de você conseguir, de entender que todo dia é um dia, meu lema lá era viver um dia de cada vez. Então assim, viver um dia de cada vez se acolher no dia que você tá bem, e se acolher também no dia que você não está bem, de se entender” afirmou Lídia.
Ao se depararem com diferentes culturas e realidades, é comum questionar e reavaliar muitos conceitos profundamente enraizados em sua identidade. A convivência com pessoas de diversas partes do mundo pode contribuir no desenvolvimento pessoal, tornando-os mais abertos e críticos, especialmente em relação à qualidade de vida e à forma como questões cotidianas, como alimentação, transporte e segurança, são abordadas.
A vivência no intercâmbio vai além do aprendizado acadêmico, ela redefine o olhar profissional de quem a experimenta. Ao mergulhar em novos contextos, os estudantes ampliam seu repertório de práticas e conhecimentos, enriquecendo não apenas o currículo, mas também a forma como enxergam o mundo. Essa imersão cria pontes que conectam pessoas e culturas, expandindo redes que, antes limitadas, agora se estendem por diversos países. Mais do que isso, desperta uma inquietação profunda, a vontade de ir além, de buscar desafios que ultrapassem a familiaridade do território nacional. É um convite constante para sair da zona de conforto e reinventar trajetórias, impulsionando carreiras e abrindo portas para horizontes até então inimagináveis.
No âmbito pessoal, o intercâmbio se revela uma verdadeira escola de autonomia e disciplina. Frente a desafios inesperados, os estudantes descobrem a capacidade de superar obstáculos e conquistar metas que antes pareciam distantes, como estudar em outro país. Essa imersão cultural vai além do aprendizado técnico, é um convite à reflexão profunda sobre seu lugar no mundo, especialmente sobre o papel da mulher na sociedade e na comunidade acadêmica. Essa experiência não só amplia seus horizontes de conhecimento, mas também fortalece o compromisso de transformar a própria trajetória, enquanto se dedica a retribuir e impactar positivamente sua comunidade de origem.
Pedro Henrique, relata que o intercâmbio na Universidade de Sevilha, na Espanha, ampliou sua visão de mundo, especialmente em relação à sua identidade latina. Profissionalmente, a experiência influenciou sua percepção de arquitetura e urbanismo, enriquecendo sua formação teórica e prática e permitindo o estabelecimento de contatos internacionais. No plano pessoal, aprendeu a valorizar o tempo sozinho, mas também reconheceu a importância do convívio social, especialmente devido à distância da família e amigos. A vivência despertou nele uma vontade de explorar o mundo, tornando-o mais aberto a novas experiências internacionais e menos satisfeito com a ideia de viver apenas no Brasil.
“Dentro da minha área, o lugar que eu vivi, a arquitetura, influenciou muito a minha forma de ver arquitetura. A minha relação com pessoas de outros países, eu acho que ampliou muito o meu entendimento, do país e do meu lugar, como uma coisa que que me impactou muito, eu tava num país de língua espanhola e tinha muitas pessoas da América Latina, que não eram brasileiros. Eu falo que antes, eu não dava tanto valor, né, nem valor, mas eu não dava tanto lugar para essa minha identidade latina, quanto pela minha identidade brasileira, mas lá, eu me sentia muito mais latino e depois eu voltei, me sentindo muito mais latino do que quando eu fui, graças a essa experiência que eu tive lá. (…) Então, ver o funcionamento da cidade, ver, ter experienciado, por exemplo, lugares com culturas diferentes, com malha urbana diferentes, depois de ter viajado lá e para outros países que não eram a Espanha e ver isso nos outros países, influenciou muito a minha visão teórica e querendo ou não, a aplicação dessa visão teórica no trabalho, e até de uma forma muito mais prática, então, a gente cria amizade, os contatos de outros países, de os continentes, possivelmente poderão ser uma conexão profissional no futuro”, destaca o arquiteto.
Antes mesmo de realizar o intercâmbio acadêmico, é fundamental organizar diversos aspectos para que a experiência no exterior seja ainda mais enriquecedora e positiva. Um dos principais fatores a considerar é manter a mente aberta para vivenciar a diversidade do país de destino. Nas entrevistas que realizei, essa ideia apareceu com frequência. Muitos conselhos são dados, mas, além da abertura para o novo, a coragem de partir e se aventurar sempre será um ponto essencial.
Bianca Magalhães, adorou as amizades que fez em Portugal, mas acredita que teria escolhido um país de língua inglesa para aprimorar o idioma. Já Mariana Gomes, sente que poderia ter se arriscado mais no início, enquanto Pedro Henrique, gostaria de ter explorado mais a cidade antes da reta final da viagem.
Algumas mudanças estariam ligadas ao planejamento, Anna Lua reconhece que organizaria melhor sua viagem para evitar contratempos, e muitos gostariam de ter viajado mais ao longo da mobilidade. Laryssa Leal menciona que teria buscado uma moradia melhor logo no início para evitar dificuldades. Gabriela da Cunha, por sua vez, destaca a importância da saúde mental e da estabilidade financeira.
Apesar dos desafios, Lídia Sacramento e Bruna Rodrigues (foto) acreditam que tudo aconteceu como deveria, trazendo aprendizados e experiências inesquecíveis. No fim, cada escolha e cada desafio fizeram parte de um processo de crescimento pessoal que tornou o intercâmbio uma vivência única para cada um.
A mobilidade dentro da Europa é facilitada pelo tamanho relativamente pequeno dos países e pelas opções de transporte acessíveis, permitindo que conheçam diversas cidades dentro de uma mesma região ou até mesmo se aventurem por outros países do continente e até de continentes vizinhos. As passagens aéreas dentro da Europa costumam ser mais acessíveis do que viagens domésticas no Brasil, tornando mais vantajoso investir em deslocamentos internacionais.
Muitos estudantes que participam da mobilidade acadêmica já planejam desde o início aproveitar essa facilidade para viajar. Uma prática comum é o chamado mochilão, no qual selecionam vários destinos e organizam roteiros para visitar diferentes países em um curto período. Embora seja uma experiência intensa e, por vezes, cansativa, proporciona a oportunidade única de explorar diversas culturas.
“Durante o meu intercâmbio, então, eu visitei alguns países, dentro da Espanha em si, que era o país que eu estava morando, eu fiz algumas viagens, mas eu fiz outras viagens com esse grupo de amigos que eu eu formei lá, então a gente foi para para Áustria, Hungria, para França, Bélgica, Itália e eu tinha um objetivo que eu queria, eu tinha grande vontade de, eu falei assim, eu não posso ir embora dessa viagem, sem aproveitar a oportunidade que eu já estava na Europa para conhecer Paris, Viena e Roma. E foram lugares que me impactaram muito, até os lugares na verdade que eu não esperava, me impactaram tanto ou até mais, que foi a Bélgica e a Hungria. É, e assim, são coisas que a gente tá lá, você sabe que é uma coisa que vai marcar sua vida, mesmo estando lá e depois que você volta, você só tem a confirmação disso, que aquilo fica voltando na sua cabeça. Então, é, sem dúvida foi uma coisa fantástica. Eu visitei esses países, e gostaria de ter visitado até mais, se fosse possível”, informa Pedro.
Pedro Henrique enfrentou alguns desafios ao viajar entre países durante seu intercâmbio, especialmente em relação às diferenças culturais. Ele destaca que, por falar inglês, conseguia se comunicar com facilidade na maioria dos lugares. No entanto, sentiu um contraste cultural mais forte na República Tcheca, onde percebeu as pessoas como mais rígidas, o que, segundo ele, pode ter sido uma impressão influenciada por sua própria cultura. Sobre a organização das viagens, Pedro confessa que, como seu intercâmbio foi financiado pelos pais, ele buscava controlar os gastos.
Os meses em que viajava mais, como dezembro e janeiro, exigiam um orçamento maior, principalmente porque precisava comprar roupas de frio. Para economizar, ele e seus amigos sempre optavam por hostels, uma escolha prática e acessível. Além disso, priorizavam passagens aéreas com preços mais baixos, muitas vezes definindo os destinos com base em promoções.
Havia um cuidado especial em preservar o sabor local, ao menos uma refeição por dia celebrava a culinária típica do país anfitrião, um mergulho nos aromas e tradições da nova cultura. Nas outras refeições, porém, a estratégia era diferente, buscavam-se alternativas mais econômicas, encontradas em mercados e feiras, onde ingredientes simples se transformavam em refeições que alimentavam o corpo sem pesar no bolso. Essa combinação entre experiência cultural e economia revelava a capacidade de adaptação dos estudantes, que aprendiam a equilibrar o prazer de provar o novo com a responsabilidade de gerir o orçamento limitado.
Durante o intercâmbio, Anna Lua aproveitou a oportunidade para viajar e conhecer novos lugares, visitou a Espanha e uma ilha nos arredores do país chamada San Juan de Gaztelugatxe, na costa da Biscaia, na Espanha, cenário de gravações da série Game of Thrones. Além disso, esteve na França em dois momentos distintos: no inverno, marcado pelo frio intenso, e no verão, com um calor igualmente desafiador e conheceu cidades ao entorno do Porto.
“Eu diria que mais interessante foi o próprio Portugal, assim, porque foi o lugar que eu mais passei tempo, que eu consegui conhecer mais profundamente, o que as pessoas fazem no dia a dia, quais lugares as pessoas vão, cidades próximas. Que são muito diferentes uma da outra, e também esse lugar de onde começou Portugal, esses lugares que têm castelos e coisas assim de outro mundo mesmo, né, literalmente. E aí foi me despertou muito os sentimentos e ao mesmo tempo também, por exemplo, a praia lá é muito diferente, a praia no Brasil que a gente pensa, solzão, caipirinha. A praia lá é muito fria, o mar é muito frio e as pessoas têm outra relação com o mar, mas ao mesmo tempo, eu tava lá dentro da água da mesma forma”, explica Lua.
Gabriela não romantiza sua vivência no intercâmbio. Entre as malas e expectativas, vieram também os desafios emocionais, que tornaram a experiência mais difícil do que imaginava e, talvez por isso, menos encantadora do que costuma se contar. Ainda assim, em meio às incertezas, houve respiros de realização. Em Portugal, Gabriela teve a chance de visitar outros países e tocar em sonhos que antes pareciam distantes demais para os pés alcançarem. Um deles foi a Caminhada de Santiago, como descreve o áudio a seguir, feita sob o ritmo do próprio corpo e do tempo, em silêncio ou oração, por dias que pareciam não ter pressa. A preocupação da mãe não foi pouca, mas a jornada se transformou em algo maior do que o medo, foi descoberta, força, superação. Um marco de sua passagem pela Europa, tão íntimo quanto transformador.
Embora a vida no exterior apresenta desafios, independentemente do contexto, essa vivência tem o potencial de expandir horizontes, desenvolver autonomia e fortalecer a independência. Sem a presença de uma rede de apoio próxima, cada dia no intercâmbio se torna uma oportunidade de crescimento pessoal e acadêmico. Por isso, essa experiência deve ser aproveitada ao máximo, seja explorando atividades culturais, acadêmicas ou pessoais, permitindo não apenas conhecer novas culturas, mas também descobrir mais sobre si mesmo.
Embora a vida no exterior apresenta desafios, independentemente do contexto, essa vivência tem o potencial de expandir horizontes, desenvolver autonomia e fortalecer a independência. Sem a presença de uma rede de apoio próxima, cada dia no intercâmbio se torna uma oportunidade de crescimento pessoal e acadêmico. Por isso, essa experiência deve ser aproveitada ao máximo, seja explorando atividades culturais, acadêmicas ou pessoais, permitindo não apenas conhecer novas culturas, mas também descobrir mais sobre si mesmo.
Elaborei uma playlist com 15 canções portuguesas, predominantemente de fado, gênero musical considerado o maior símbolo de Portugal por expressar de forma intensa a identidade lusitana. Tradicionalmente interpretado por um(a) fadista, acompanhado por guitarra clássica e guitarra portuguesa, o fado, uma palavra derivada do latim fatum, que significa destino, transmite uma variedade de emoções, como amor, desamor, tragédias, saudade, alegria e humor. Sobre sua origem, há quem defenda que tenha surgido dos cânticos mouriscos, resultado da convivência cultural na Península Ibérica.
Quando se fala em migração, a imagem mais recorrente ainda é a do homem que parte, seja para lutar em guerras, buscar sustento ou garantir um futuro melhor para quem ficou. Por muito tempo, foram eles que mais cruzaram fronteiras, deixando para trás suas terras, suas casas e, muitas vezes, suas famílias.
Mas, aos poucos, esse cenário começou a mudar. As mulheres passaram a romper com o papel de coadjuvantes e assumiram o comando de suas próprias jornadas. Muitas vezes, são elas as primeiras a partir, enfrentando barreiras, preconceitos e incertezas. Seguem adiante, sustentando lares, criando novas raízes e escrevendo suas histórias com a força de quem não teme recomeçar. Nesse movimento silencioso e determinado, transformam a migração não apenas em um ato de deslocamento, mas em um gesto profundo de resistência e esperança.
Em janeiro de 2025, um novo levantamento das Nações Unidas traçou um retrato atual das migrações ao redor do mundo. Segundo o International Migrant Stock 2024, pouco menos da metade de todas as pessoas que cruzaram fronteiras e reconstruíram suas vidas em outros países eram mulheres ou meninas, cerca de 48%. Na Europa e na América do Norte, assim como na América Latina e no Caribe, essa proporção manteve-se estável ao longo de mais de três décadas. Desde 1990, elas seguem representando, de forma quase equilibrada, metade de todos os migrantes internacionais. Um dado que revela não apenas a persistência de um padrão, mas também a presença silenciosa e constante das mulheres nesse movimento global, que molda sociedades, transforma culturas e redefine destinos.
A relação entre gênero e migração tem ganhado espaço nas pesquisas acadêmicas, não apenas pelo fato de as mulheres representarem quase metade dos migrantes internacionais, mas porque o gênero influencia e é influenciado por todas as etapas da migração. Ele molda as relações sociais, dialoga com fatores como classe, raça e idade, e impacta desde os motivos que levam à partida até a forma como as políticas migratórias são construídas.
Como observa a pesquisadora Aurélie Leroy, em um ensaio publicado na revista Alternatives Sud, foi apenas em 1998 que a Divisão de População das Nações Unidas divulgou, pela primeira vez, dados globais sobre a participação das mulheres nos fluxos migratórios. A divulgação desses números funcionou como um clarão, iluminando uma realidade que, até então, permanecia nas sombras: as mulheres sempre estiveram em movimento, mas só recentemente começaram a ser reconhecidas como sujeitas ativas desse processo.
A partir da década de 1990, com as transformações provocadas pela globalização neoliberal, as pesquisas passaram a valorizar a dimensão econômica da migração feminina. Ganharam destaque as mulheres atuando em setores como o de serviços, cuidados, trabalho sexual e indústrias de baixa qualificação, como as dos ramos têxtil, agroalimentar e eletrônico. Assim, as mulheres migrantes passaram a ser vistas não apenas como coadjuvantes, mas como protagonistas sociais e econômicas. O gênero, por sua vez, passou a ser compreendido como um elemento fundamental para entender padrões de mobilidade, desigualdades e oportunidades, tanto nas dinâmicas familiares quanto no mundo do trabalho, nos países de origem e de destino.
No vídeo a seguir, conheceremos algumas das motivações que levaram Natália Dias, Ana Beatriz Siqueira, Larissa Carvalho e Paulo a imigrar.
Em quase todas essas trajetórias, o acesso ao conhecimento surge como um dos elementos mais decisivos para que a partida aconteça. É a possibilidade de aprender, crescer e transformar a própria história que impulsiona muitas dessas escolhas, dando sentido ao desafio de recomeçar longe de casa.
Ainda assim, por mais promissora que pareça, essa escolha quase sempre vem acompanhada de uma renúncia dolorosa, deixar para trás a segurança da família, o aconchego das amizades, o trabalho construído com esforço e tudo aquilo que compunha a paisagem familiar da vida. Recomeçar em outro país, cercada por rostos desconhecidos e hábitos estranhos, exige uma coragem discreta, mas imensa. Nem sempre o caminho é simples, há incertezas, medos, saudades que apertam no peito. Mas esse movimento, mais do que um deslocamento físico, é um marco profundo em suas trajetórias: uma travessia que transforma, que redefine quem são e quem desejam ser.
Laíssa Rodrigues Ponce de Leão Carvalho carregava consigo o peso de um sonho que parecia maior do que o horizonte de Manaus, sua terra natal. Aos 26 anos, jornalista, sentia que os caminhos para aprofundar seus estudos em Comunicação estavam cercados por limites, barreiras que o lugar onde cresceu não oferecia. O sudeste do Brasil parecia uma possibilidade distante, uma promessa difícil de alcançar, marcada pelo custo que apertava o bolso e a esperança.
Foi na conversa simples e sincera de um amigo que Portugal entrou no seu imaginário, trazendo um sopro de chance e renovação. A cidade do Porto, com sua promessa de qualidade de vida, segurança e portas abertas para o conhecimento, tornou-se a bússola que guiaria a decisão de partir. Mais do que uma mudança de endereço, Laíssa Carvalho (foto) viu ali a oportunidade de reconstruir sua trajetória, um passo corajoso rumo ao desconhecido, movida pela certeza de que aprender e crescer às vezes exige deixar para trás o que se conhece para se reinventar.
O desejo de impulsionar a carreira por meio de uma formação no exterior é visto como uma oportunidade de ampliar horizontes e conquistar melhores chances no mercado de trabalho, seja com a perspectiva de retorno ao Brasil ou com a intenção de permanecer no país onde se formaram. Algumas optaram por aprofundar os estudos na mesma área da graduação, enquanto outras se permitem explorar novos caminhos, ampliando suas possibilidades profissionais. A decisão de permanecer no exterior está ligada tanto à continuidade da formação quanto a questões pessoais e afetivas.
Apesar do idioma em comum, as diferenças entre brasileiros e portugueses revelam-se, muitas vezes, mais profundas do que o previsto. O conforto aparente das palavras familiares esconde um cotidiano em que o estranhamento se insinua, discreto, mas persistente. Em algumas esquinas, o preconceito se manifesta sem disfarces, sobretudo contra mulheres imigrantes e negras, para quem as portas do mercado de trabalho permanecem, na maioria das vezes, entreabertas ou simplesmente fechadas.
Entre trajetórias, Ana Beatriz de Sousa Siqueira, uma mulher de fala firme e olhar atento. Aos 29 anos, natural de Duque de Caxias, no Rio de Janeiro, ela vive em Portugal desde novembro de 2023. Jornalista, com pós-graduação e mestrado em Comunicação, viu-se, como tantas outras, obrigada a redesenhar sua vida profissional. Hoje, trabalha como vendedora, uma ocupação que, embora honesta, carrega o peso da frustração de quem sonhava com outros caminhos.
Ana Beatriz enfatiza as dificuldades que enfrenta, o distanciamento forçado de sua área de formação, a sensação constante de ter que provar sua competência, e o impacto cotidiano do racismo e da xenofobia. Não são feridas abertas, mas cicatrizes que ela aprendeu a carregar com dignidade. Entre relatos sobre o rigor das leis de imigração e as sutilezas das diferenças culturais, sua história ecoa a de tantas mulheres que, ao atravessar o oceano, descobriram que emigrar é mais do que partir e, sobretudo, aprender a permanecer. Permanecer em si, apesar das fronteiras que o mundo insiste em traçar.
“Fui distribuir currículo, eu estava cansada de receber, nãos, muitos, não, então eu acredito que tem uma certa dificuldade, não é questão de ser imigrante, no meu caso, eu tenho um plus, porque ser migrante é difícil, aí ser uma mulher imigrante negra é ainda mais difícil. Então assim, são muitas camadas, aí que a gente percorre, então para mim, é a maior dificuldade de adaptação, foi aceitar porque eu venho de um lugar, ainda mais como comunicadora, de se uma pessoa me gera um desconforto, eu devolvo esse desconforto para a pessoa e aqui eu não posso fazer isso porque eu estou fora da minha zona de conforto, eu tô fora do meu país, eu ainda não entendo completamente as leis, as nossas leis são diferentes aqui. Não é qualquer coisa que é considerado racismo, não é qualquer coisa que é considerado xenofobia, então é muito difícil eu não poder usar a minha arma aqui é a minha comunicação. Eu não posso debater com as pessoas e dizer “olha isso que você está fazendo comigo é xenofobia, é isso que você está fazendo comigo é racismo”. Então isso para mim é a parte mais complexa”, enfatiza a jornalista.
O processo migratório, mais do que uma mudança de país, costuma marcar também uma cisão afetiva profunda. A rede de apoio que sustentava a vida cotidiana se desfaz de maneira abrupta, e, mesmo quando familiares, parceiros ou filhos acompanham a travessia, a solidão insiste em permanecer. Há algo de intransferível na experiência do deslocamento, um espaço interno que parece não encontrar eco no novo território.
Esse vazio, muitas vezes silencioso, se alimenta da distância em relação aos vínculos afetivos, à cultura de origem e às referências que, por anos, ajudaram a compor a identidade. O que se vive, então, é uma forma de luto. Não o luto clássico, marcado pela perda concreta, mas aquele descrito pela psicóloga Lorena Cotias Macedo como luto migratório, uma dor invisível, que se instala sem rituais, mas que exige tempo, cuidado e elaboração para ser atravessada.
“O luto migratório, ele é vivenciado, não é por todo mundo que deixa o seu país, porque deixa para trás referências. A gente chama de luto simbólico, a gente conhece o luto normal, tradicional, que é a perda de uma pessoa, e quando se imigra a gente fala desse luto simbólico, que é essa perda aí do seu referencial cultural, da cultura, onde você cresceu, de tudo que você aprendeu, da cidade, do país, onde você sabe se locomover, da linguagem, sabe se comunicar não é de forma integral, é as pessoas que te ajudam, sua rede de apoio”, enfatiza a psicóloga.
Ela ressalta que é fundamental elaborar esse luto para que a mulher consiga se reconhecer e se situar em seu novo contexto. Só a partir dessa elaboração é possível abrir espaço para a adaptação cultural, um movimento essencial para reconstruir vínculos, formar novas redes de apoio e ressignificar sua trajetória como imigrante.
Lorena Macedo destaca que a experiência de mulheres imigrantes é profundamente influenciada por três fatores principais: rede de apoio, classe social e nacionalidade. Ter apoio familiar, amizades ou um trabalho já garantido facilita a adaptação, enquanto a ausência dessa rede aumenta a vulnerabilidade. A condição econômica também é determinante, quem tem maior estabilidade financeira enfrenta menos riscos e inseguranças. Já a nacionalidade pode expor mulheres a estigmas e xenofobia, especialmente aquelas vindas do Sul Global. A interação entre esses fatores define o nível de dificuldade enfrentado no processo migratório.
Durante os dois anos e meio em que viveu em Portugal, a psicóloga baiana Lorena Cotias Macedo passou por diferentes fases no processo de imigração, cada uma marcada por desafios únicos e aprendizados intensos. Logo no início, o que parecia ser uma transição amena, por conta da língua comum e dos laços históricos entre os dois países, revelou-se um processo repleto de desencontros culturais e dificuldades práticas. A adaptação foi árdua: encontrar moradia, trabalho e estabelecer laços afetivos com os portugueses exigiu mais esforço do que ela imaginava.
Nos primeiros meses em solo português, Lorena atravessou uma experiência marcada pelo sentimento de deslocamento, como quem pisa num território que, embora familiar pela língua, insiste em lembrar que não pertence ao recém-chegado. Durante esse período, refletiu com lucidez sobre as marcas profundas da colonização e sobre como, mesmo séculos depois, o Brasil ainda carrega, em muitos contextos, o estigma da inferioridade.
Não sofreu xenofobia de forma direta, mas esteve cercada por relatos e vivências de preconceito, que delineavam o contorno invisível de uma fronteira que, embora não declarada, permanecia ali, separando, classificando, excluindo. Com o tempo, o que parecia intransponível começou a se abrir, surgiram amizades, oportunidades de trabalho, e a conclusão do mestrado foi a síntese de um processo de reconstrução. A travessia de Lorena Macedo (foto) não foi abrupta, nem marcada por grandes gestos, mas pela persistência silenciosa, pela capacidade de enfrentar e, sobretudo, pela sensibilidade de transformar o estranhamento em aprendizado.
As experiências de preconceito vividas por mulheres brasileiras imigrantes em países como Portugal e França revelam uma realidade marcada por contrastes. Enquanto algumas relataram não terem enfrentado discriminação direta, outras trouxeram à tona situações de hostilidade, exclusão e xenofobia.
Em Portugal, embora muitas se sintam acolhidas e bem recebidas no cotidiano, também há relatos contundentes de preconceito. Em casos mais graves, mulheres foram alvo de insultos explícitos, associando sua nacionalidade e gênero a estigmas sociais, como a ideia de que brasileiras “vêm para roubar maridos” ou que “devem voltar ao seu país”. Em uma situação especialmente significativa, o preconceito se revelou em uma fala carregada de julgamento, durante a entrega de um currículo, evidenciando que a recusa ia além de aspectos profissionais. A discriminação, em muitos casos, é interseccional, afetando mulheres não apenas por serem estrangeiras, mas também por sua cor, orientação sexual ou condição socioeconômica.
Nathalia Costa Dias tem 32 anos e carrega no olhar a firmeza de quem decidiu atravessar fronteiras em busca de um recomeço. Natural do Maranhão, deixou o Brasil movida por um desejo silencioso, mas insistente: o de lançar-se a um novo desafio de vida, reinventar-se em outra latitude. Em Portugal, foi promotora de vendas, aprendeu a dobrar o sotaque para caber na rotina apressada das ruas e, depois, encontrou no balcão de um café o espaço para novos encontros. Foram nove meses de adaptação, de pequenas conquistas e despedidas diárias.
Mas o caminho não parou ali. Como quem segue um mapa traçado pela própria intuição, Nathalia cruzou mais uma fronteira e, há seis meses, vive na França, onde atua como embaladora. Entre caixas e mercadorias, sua presença se inscreve discretamente no fluxo das cidades estrangeiras, uma mulher em movimento, que transforma o trabalho, o idioma e a saudade em matéria viva de sua própria travessia.
Em Portugal, vivenciou episódios de hostilidade direcionados a mulheres brasileiras, evidenciando estigmas de gênero e nacionalidade, essas experiências revelam não apenas os obstáculos enfrentados por imigrantes, mas também a complexidade de viver em sociedades onde estigmas e discriminações persistem, ainda que de formas distintas.
“Em Portugal, eu trabalhava como promotora de vendas, tinha que estar abordando pessoas e quando eles viram que a gente era brasileira, não só eu, como minhas outras colegas de trabalho, eles ignoravam e falavam: volta para o teu país (…) Na França, eu que sou uma mulher lesbica, enfrentamos bastante preconceito por sermos lésbicas. Eu e minha esposa, evitamos bastante estar nos lugares, de mão dada ou se beijar ou fazer qualquer outro tipo de ação que leva ao preconceito deles”, enfatiza Nathalia.
Por outro lado, algumas mulheres afirmaram nunca terem sofrido preconceito direto. Nessas experiências, destacam-se a solidariedade, a gentileza e a curiosidade com que foram recebidas por parte da população local. Mesmo em situações de vulnerabilidade, como a busca por emprego, encontraram apoio e palavras de incentivo. O conjunto dos relatos revela que, embora o acolhimento exista, ele convive com episódios de discriminação e exclusão. A experiência de ser uma mulher imigrante está sujeita a múltiplas camadas de julgamento social, nem sempre evidentes, mas frequentemente marcantes.
Ao ingressarem no mercado de trabalho em Portugal, muitas mulheres brasileiras imigrantes relatam a necessidade de um esforço redobrado para obterem reconhecimento profissional. Em suas vivências, a percepção de exigências superiores em comparação com colegas portugueses é uma constante.
Em um café movimentado no aeroporto, Nathalia Dias experimentou, por três meses, a dureza de um ambiente onde o trabalho deixava marcas que iam além do cansaço físico. Ali, o que deveria ser rotina virou resistência, piadas carregadas de preconceito, olhares enviesados, ordens secas e uma carga de responsabilidades desproporcional para alguém em início de jornada. A hostilidade não vinha apenas de um ou outro colega, parecia enraizada na própria cultura daquele lugar. Entre o barulho das xícaras e o vai e vem apressado dos passageiros, havia também uma intolerância sutil, vestida de normalidade, que minava o dia a dia.
Para Ana Beatriz, a busca por um lugar no mercado de trabalho revelou-se um caminho igualmente árduo. Deparou-se com barreiras que iam além das fronteiras geográficas, a exigência de fluência em idiomas como inglês, francês ou alemão, bem como a adaptação a um modelo profissional muito distinto daquele que conhecia no Brasil. Em Portugal, percebeu, o campo da comunicação exige múltiplas competências reunidas em um único profissional, habilidades técnicas, como o domínio de ferramentas de design, e uma fluência linguística que ela ainda não possuía.
Diante das sucessivas negativas, Ana Beatriz ampliou sua busca para outros setores, mas logo se deparou com um obstáculo menos formal e mais cruel, o preconceito estético. Mulher negra, de cabelo crespo, percebeu que seu perfil destoava dos padrões valorizados por muitas lojas. Foi num restaurante gerido por brasileiros que encontrou acolhimento e respeito, uma pausa necessária na travessia difícil. Porém, ao migrar para uma vaga com contrato formal, liderada por portugueses, as marcas da exclusão tornaram-se ainda mais nítidas, racismo, xenofobia e desumanização atravessaram sua experiência, deixando feridas profundas e silenciadas.
Laíssa Rodrigues, por sua vez, percorreu um caminho que, à primeira vista, contrariava o cenário vivido por tantas outras pessoas. Não enfrentou barreiras institucionais ou burocráticas para estudar e trabalhar em Portugal, um percurso relativamente fluido, onde os trâmites acadêmicos e profissionais aconteceram sem maiores entraves. Mas, com lucidez, não transformou sua experiência pessoal em regra, reconhece que, ao seu redor, muitos colegas, brasileiros ou de outras nacionalidades, esbarraram em processos longos e desgastantes, especialmente relacionados à emissão de documentos e regularização da permanência no país.
Paula Carolina Lomba da Cunha carrega consigo uma trajetória particular entre as tantas histórias de quem escolheu cruzar o oceano. Médica, aos 28 anos, está em Portugal há um ano e meio, dedicada ao mestrado em Educação para a Saúde. A sua prática profissional, no entanto, permaneceu intacta no Brasil, mantida à distância, através do exercício remoto que, paradoxalmente, a aproxima do seu país mesmo estando fisicamente longe.
Por conta dessa ponte virtual que nunca se quebrou, Paula não precisou enfrentar diretamente os desafios do mercado de trabalho local, as barreiras burocráticas, o reconhecimento de diplomas, as portas que tantas vezes se fecham para quem chega de fora. Sua experiência migratória seguiu por outro caminho, mais silencioso, mais introspectivo, marcada antes pela continuidade do que pela ruptura.
A forma como as mulheres brasileiras são tratadas fora do país parece variar conforme a cultura local, a condição social da imigrante e, muitas vezes, sua orientação sexual. Em Portugal, a experiência relatada por algumas mulheres aponta para um preconceito enraizado que se manifesta principalmente pelo fato de serem brasileiras e mulheres. Já na França, a recepção inicial tende a ser mais acolhedora ao menos até que a identidade sexual seja revelada, o preconceito parece surgir não pela nacionalidade, mas pela orientação sexual.
No mercado de trabalho português, a equidade de gênero não é um tema que salta aos olhos de todas. Algumas imigrantes relatam uma percepção de igualdade aparente, com colegas empregados e trabalhando em suas áreas de formação. Ainda assim, o setor da comunicação, especialmente o jornalismo, é percebido como mais fechado e seletivo em comparação ao Brasil, operando fortemente por indicações e redes de contato restritas.
Laíssa Rodrigues revelou as sombras que acompanham o estereótipo da mulher brasileira em Portugal. O preconceito, ela lembra, está enraizado em uma visão que alguns mantêm, a da mulher brasileira como alguém “fácil”, que busca no exterior uma vida descomplicada em troca de uma estabilidade financeira rápida, disposta a aceitar qualquer trabalho, qualquer situação, até mesmo relacionamentos sem garantias.
Esse olhar, segundo Laíssa, parece pairar sobretudo na percepção de alguns homens, um estigma que persiste e ecoa no imaginário social. No entanto, sua experiência pessoal com as instituições e o mercado de trabalho revela um quadro diferente. Ela nunca sentiu essa visão distorcida nas entidades trabalhistas, nunca se deparou com esse preconceito em entrevistas de emprego, ambientes onde diz ter sido tratada com respeito. Ainda assim, Laíssa reconhece que o preconceito se manifesta, mas de forma pontual e sutil, em palavras e atitudes de alguns poucos homens e raríssimas mulheres, que revelam, mesmo que discretamente, a persistência de um olhar enviesado
Paula Carolina (foto) caminha com passos firmes por entre as exigências da medicina, percebendo um equilíbrio de gênero que, para ela, não traduz dificuldades abertas por ser mulher. No entanto, sabe que para aquelas que acumulam a maternidade ao ofício a rotina se adensa e ganha contornos mais árduos. Sua trajetória, marcada pela alta demanda da pandemia, abriu portas que, acredita, não se apresentam da mesma forma em outras áreas mais concorridas, onde as desigualdades se tornam ainda mais visíveis.
Essa experiência, porém, carrega filtros, dos privilégios raciais e econômicos. Paula é branca, migrante legal, com condições que suavizam os percalços que outras tantas brasileiras enfrentam. Entre suas conversas, emergem relatos de mulheres que, sob circunstâncias semelhantes, não se viram vítimas de preconceito direto, mas que, ainda assim, reconhecem o peso de estigmas que pesam sobre outras brasileiras. Um desses estereótipos, da mulher que busca no relacionamento com europeus a garantia da residência legal, permanece ativo, sutilmente reforçado por discursos que, embora não se dirijam a elas pessoalmente, circulam amplamente no imaginário coletivo.
Essas percepções, mesmo quando não vividas diretamente, ajudam a compor um panorama mais amplo da imagem da mulher imigrante brasileira na Europa. Uma imagem que, embora não uniforme, é atravessada por julgamentos silenciosos, estigmas antigos e recortes de classe, cor e gênero.
A ideia de qualidade de vida ganha contornos distintos quando atravessa fronteiras. Entre Brasil, Portugal e França, o que pesa na balança varia, enquanto no Brasil a instabilidade e a insegurança ainda são parte do cotidiano de muitos, em terras europeias a sensação de tranquilidade e previsibilidade tende a ser mais presente. Em Portugal, a valorização profissional é discreta, mas a serenidade das ruas e a proximidade afetiva compensam. Já na França, o ritmo é mais intenso, a cobrança maior, mas o reconhecimento pelo trabalho e a preservação da privacidade são sentidos com clareza. Em cada lugar, há ganhos e perdas, e quem vive essas transições aprende, aos poucos, que qualidade de vida é também uma questão de perspectiva.
Ana Beatriz, jornalista de formação que hoje trabalha como vendedora em Portugal, lembra com nitidez os contrastes de sua antiga rotina no Brasil. Havia o calor da família por perto, os laços afetivos que preenchiam a casa e davam sentido aos dias, mas, do lado de fora, a realidade era outra. Mesmo na Baixada Fluminense, no Rio de Janeiro, região com certa infraestrutura, o simples ato de sair para trabalhar transformava-se em um percurso de alerta constante. O transporte público, sobretudo para mulheres, era cenário frequente de medo e vulnerabilidade. A violência, já normalizada no noticiário, atravessava a vida cotidiana e minava o sentimento de segurança. Ainda assim, era no abraço dos seus que Ana Beatriz encontrava refúgio, um pertencimento silencioso que, embora não resolvesse tudo, amparava o que a cidade deixava em suspenso.
Em Portugal, as entrevistadas apontam a segurança e a estabilidade econômica como aspectos positivos da experiência migratória. Apesar dos altos custos de vida, havia uma sensação de controle financeiro e previsibilidade “a vida era apertada, mas ainda assim sobrava”. O euro, por ser uma moeda forte, representava uma oportunidade concreta para alcançar objetivos pessoais e melhorar de vida. No entanto, a realidade de moradias compartilhadas e a consequente falta de privacidade foram desafios enfrentados. Além disso, embora o trabalho fosse constante, muitas relataram que a remuneração era baixa e a valorização profissional aquém do esperado.
Nathalia Dias descobriu, na França, uma nova dimensão de qualidade de vida, onde o trabalho não se resume à sobrevivência, mas se traduz em reconhecimento, estabilidade e respeito. A seriedade com que as leis trabalhistas são aplicadas, desde os primeiros dias de contrato, garante não apenas direitos, mas dignidade. Mesmo morando na casa do empregador, sentiu preservada sua autonomia e privacidade, algo impensável em outras realidades. A remuneração mais elevada abriu caminhos para o conforto e a liberdade de escolha, enquanto o reconhecimento pelo desempenho profissional deixou de ser exceção e passou a ser parte do cotidiano. Na experiência das imigrantes, esse cenário se impõe como um contraponto marcante às fragilidades enfrentadas em seus países de origem.
Em relatos cruzados por diferentes trajetórias, Laíssa, Nathalia, Ana Beatriz e Paula compartilham uma percepção comum: a segurança vivida em Portugal e na França contrasta, de forma aguda, com a realidade que deixaram no Brasil. Em cidades como o Porto ou em vilarejos mais tranquilos do interior português, caminhar sozinha à noite não carrega o mesmo peso da apreensão, é gesto simples, cotidiano, que dispensa vigilância constante ou planos de fuga mental. Para elas, esse sentimento de liberdade, quase banal no contexto europeu, ressoa como privilégio raro e revela o quanto o medo se tornará parte orgânica da vida em solo brasileiro. Entre passos leves e ruas silenciosas, o corpo enfim aprende a habitar o espaço sem estar em estado de alerta.
Para Nathalia, a França representa mais do que um novo endereço, é a possibilidade concreta de reconstruir a vida profissional em solo fértil, ainda que regado por desafios como o idioma. No Brasil, sua trajetória foi marcada pela estabilidade, quatro anos como supervisora administrativa no setor de seguro-desemprego, um cargo respeitado, com salário compatível e aprovação em concurso público com portaria ativa. Mas o desgaste emocional, silencioso e persistente, foi corroendo o entusiasmo que um dia a levou até ali. Decidiu, então, abrir mão do conforto conhecido para atravessar novas fronteiras. Partiu em busca de recomeços que não estivessem atrelados apenas ao que era seguro, mas ao que poderia, enfim, ser leve.
Nathalia mergulhou em um mundo desconhecido ao aceitar o trabalho como promotora de vendas em Portugal. A rotina acelerada, as exigências inesperadas, tudo isso a tirou de sua zona de conforto e a colocou diante de desafios que nunca imaginara enfrentar. Foram meses difíceis, marcados por aprendizados que, embora duros, a fizeram crescer e fortalecer.
Hoje, Nathalia Dias (foto) encontrou na França um porto mais tranquilo para sua trajetória profissional. Atuando na área de produção, ela sente um equilíbrio maior, uma pressão menor, e a possibilidade de respirar com mais liberdade. Se pudesse voltar no tempo, admitiria o desejo de ter ido direto para esse lugar, embora reconheça que Portugal foi uma etapa essencial, um capítulo necessário na construção de sua jornada.
A experiência de mulheres migrantes no mercado de trabalho em Portugal tem sido marcada por choques culturais e contrastes no ritmo profissional, muitas vindas, em grande parte, da América Latina, especialmente do Brasil, chegam acostumadas a uma rotina intensa, acelerada e altamente exigente. Ao se depararem com um ambiente profissional mais calmo e menos frenético, comum em território português, a mudança pode causar estranhamento inicial. No entanto, essa diferença raramente se traduz em obstáculos reais, já que a adaptação tende a ocorrer de forma gradual e natural. A questão do idioma, embora apresente variações sutis entre o português europeu e o brasileiro, costuma ser superada com relativa facilidade, especialmente após os primeiros meses de convivência.
Laíssa Rodrigues observa a rigidez do mercado de trabalho em Portugal, especialmente para quem, como ela, busca espaço na área da comunicação e do jornalismo. Ali, as portas parecem se fechar com mais força, o sistema revela-se mais seletivo e restrito. A rede de contatos, ela explica, é uma teia complexa, onde as vagas circulam por indicações internas, um funcionário só chega a outro por intermédio de quem já está dentro daquele círculo.
Quando o assunto são empresas fora do jornalismo, a dinâmica muda. Nesses casos, os anúncios aparecem abertos em plataformas como LinkedIn ou Indeed, e o processo seletivo segue critérios que a empresa julga importantes, sem o filtro fechado das recomendações. Mas no jornalismo, essa exclusividade pesa, a diferença entre Portugal e sua cidade natal, Manaus, é nítida. Lá, o acesso é mais aberto, no Porto, o caminho é estreito e permeado por conexões difíceis de alcançar.
Mesmo quando não atuam diretamente na área de formação, muitas migrantes buscam compreender o funcionamento do mercado português por meio de cursos e atividades formativas. Nessas experiências, é comum a percepção de uma postura de superioridade por parte de alguns profissionais locais, especialmente no campo do marketing digital. Mesmo sem atuar formalmente na sua área em Portugal, Ana Beatriz aprendeu a observar com atenção os traços sutis que diferenciam as práticas profissionais entre os dois países. Foi através das conversas com professores, de pequenos cursos e, de um workshop que buscou justamente para entender melhor o funcionamento das redes sociais por ali, que ela percebeu nuances importantes e, para ela, reveladoras.
Ao mergulhar nesse ambiente, Ana percebeu um certo ar de superioridade, uma autoconfiança europeia que muitas vezes disfarça um desconhecimento prático. Se fosse preciso recorrer a uma imagem, ela não hesitaria, enquanto Portugal ainda engatinha no terreno das redes sociais e do marketing digital, o Brasil corre veloz, como Usain Bolt, há anos à frente nesse percurso. Apesar disso, Ana reconhece que muitos portugueses se colocam em uma posição de quem domina amplamente o campo, talvez pela segurança de estarem no espaço europeu.
De forma geral, embora Portugal ofereça um ambiente de trabalho mais tranquilo e, por vezes, acolhedor, o mercado de comunicação impõe barreiras estruturais relevantes. Para quem não dispõe de uma rede de contatos local ou de inserção prévia, os desafios para recomeçar fora de sua área de origem continuam sendo significativos, realidade vivida por muitas mulheres migrantes.
Entre as mulheres formadas e atuantes na área da comunicação, algumas conseguiram emprego no setor após pesquisas e adaptações, mas muitas enfrentaram barreiras externas que dificultam esse acesso. É comum que, ao chegarem ao exterior e não conseguirem colocação em sua área de formação, essas profissionais migrem para funções em restaurantes, como atendentes, ou atuem na limpeza. Diante das dificuldades de inserção no mercado formal, muitas acabam encontrando oportunidades no ramo da beleza, um setor amplamente ocupado por brasileiras em Portugal. Salões e clínicas de estética são, em grande parte, administrados por empreendedoras brasileiras, tornando-se uma alternativa recorrente para quem busca recomeçar profissionalmente.
A experiência de mulheres imigrantes revela um percurso de intensos desafios, adaptações e descobertas pessoais profundas, ao deixarem o Brasil em busca de novas oportunidades, muitas se deparam com uma realidade mais complexa do que imaginavam, enfrentando barreiras para acessar serviços essenciais, como saúde e trabalho, e lidando com a ausência de uma rede de apoio, especialmente em situações como a maternidade.
O acesso à saúde, por exemplo, é uma das principais dificuldades enfrentadas por mulheres imigrantes, consultas de rotina e cuidados específicos para a saúde feminina nem sempre são facilmente viabilizados no país de destino, fazendo com que muitas optem por retornar ao Brasil para realizar exames e tratamentos. Além disso, a ausência de vínculos afetivos e familiares torna o processo de adaptação ainda mais árduo. A rede de apoio, tão fundamental no cotidiano, especialmente para mulheres com filhos, nem sempre está presente, o que exige dessas mulheres um esforço redobrado para manter a rotina e o equilíbrio emocional.
Entre trajetórias interrompidas e capítulos reescritos em terra estrangeira, mulheres imigrantes como Ana Beatriz e Nathalia Dias viram-se deslocadas de suas formações de origem. Longe dos antigos cargos e da estabilidade profissional, assumiram novas funções, atendentes, trabalhadoras da limpeza, da restauração ou da área da beleza, esta última transformada em território fértil por brasileiras que, com criatividade e coragem, encontraram no empreendedorismo uma forma de seguir em frente. Essa transição, embora muitas vezes inevitável, revela não apenas a força de reinvenção dessas mulheres, mas também os obstáculos silenciosos que limitam o reconhecimento de quem ousa recomeçar fora de casa.
Mas a migração vai além do que consta no currículo. Ela se infiltra na forma como essas mulheres se percebem no mundo. Sozinhas diante dos desafios de outra cultura, entre incertezas e recomeços, descobrem uma força que não sabiam possuir. Nesse processo, aprendem a caminhar com mais leveza, a confiar em si mesmas e a habitar com inteireza o lugar entre o que deixaram para trás e o que estão construindo, com mãos firmes, mesmo quando invisíveis.
Ser mulher imigrante, portanto, é viver uma experiência que expande horizontes, impõe renúncias, mas também revela potências. É atravessar fronteiras físicas e simbólicas com determinação e, muitas vezes, sem garantias, mas com a certeza de que o caminho, por mais difícil que seja, é também um espaço de construção de força e afirmação de identidade.
A experiência migratória para Ana Beatriz (foto) foi marcada por perdas silenciosas e cicatrizes emocionais, revelou nela e em tantas outras mulheres uma força subterrânea, dessas que só emergem quando o chão conhecido já não sustenta. Recomeçar longe de casa, entre idiomas estranhos e rotinas desconstruídas, não apagou sua história, ao contrário, reafirmou os pilares que sempre a moveram, a persistência, o desejo por dignidade, a coragem de buscar, mesmo sem garantias, uma vida mais justa.
Enraizados em uma rotina familiar, rodeados por apoios constantes, podem se ver como pessoas ainda inseguras, presas a prioridades materiais e hábitos impulsivos. O conforto de um lar conhecido, a facilidade de contar com a rede de apoio próxima, e a estabilidade de uma vida já estruturada muitas vezes camuflam a necessidade de amadurecimento mais profundo.
Contudo, ao se mudarem para outro país, essa realidade começa a mudar de forma intensa e inevitável. A experiência de viver longe da família, muitas vezes de forma independente pela primeira vez, impõe desafios cotidianos que exigem responsabilidade, planejamento e resiliência. O simples ato de administrar uma casa, lidar com burocracias ou tomar decisões financeiras passa a carregar um peso maior, cada escolha precisa ser pensada, cada passo, medido.
A vivência em uma nova cultura também provoca uma transformação interior, algumas crenças antes inquestionáveis se abrem para novas perspectivas. Prioridades se reorganizam, como o valor atribuído a bens materiais dá lugar ao reconhecimento da importância do essencial, a estabilidade emocional, autonomia e crescimento pessoal. Ao fim de um ano e meio, é comum que a percepção sobre si mesmo tenha mudado de maneira significativa. A insegurança cede espaço à confiança. A impulsividade dá lugar à reflexão. E, acima de tudo, floresce a certeza de que se é muito mais forte e capaz do que jamais se imaginou.
Laíssa Rodrigues recorda de uma versão de si que já não lhe serve mais, uma jovem insegura, impulsiva, precipitada em decisões que raramente passavam pelo crivo da reflexão. A experiência de viver como imigrante na Europa, longe de tudo que lhe era familiar, exigiu uma transformação que não veio com estardalhaço, mas com silêncio e escuta. Sozinha, aprendeu a desacelerar, a se organizar, a confiar no tempo das coisas. A responsabilidade, antes sentida como um fardo, tornou-se guia. Planejou melhor, ponderou escolhas, aprendeu a cuidar do pouco como se fosse muito, inclusive do dinheiro. Entendeu, por fim, que autonomia não é um rompante de liberdade, mas uma construção diária de lucidez, resiliência e amor-próprio.
“Eu amadureci bastante, às vezes eu olho um pouco das fotos que eu tirava antes. Eu dava muito mais valor a coisas mais fúteis do que eu dou hoje. Hoje, o material é claro que importa, não, vou ser hipócrita e dizer que o material não importa que eu não sinto falta de ter a minha casa só pra mim ao invés de morar em um quarto que eu não sinto falta de ter o meu quarto, de ter o meu carro ao invés de pegar transporte público todo dia eu sinto muita falta do material, só que hoje eu consigo perceber que essa não é mais a minha prioridade. Ela já foi a minha prioridade, eu já conquistei essas coisas. A partir do momento em que eu tenho outras prioridades que aqui o meu estilo de vida é totalmente diferente, eu vejo o quanto eu consegui amadurecer por pensar dessa forma”, relembra Laíssa.
Migrar, para Laíssa, Ana Beatriz, Nathalia, Paula e tantas outras que cruzaram oceanos em busca de novos começos, não se resume a trocar de país. É um gesto íntimo de autonomia, um mergulho em territórios desconhecidos, externos e internos. Longe das redes de apoio que as sustentavam no Brasil, cada uma precisou, à sua maneira, aprender a decifrar novos códigos culturais, lidar com a solidão que insiste nos primeiros meses e encarar a rigidez dos sistemas burocráticos. Nesse processo, descobrem uma força que não se impõe, mas se constrói aos poucos, nas pequenas vitórias do cotidiano. Aprendem a confiar em si, a medir os riscos com mais clareza, e a aceitar que sentir-se vulnerável também é parte legítima da travessia. A migração, para elas, não apaga origens, amplia territórios dentro e fora do corpo.
No vídeo a seguir, quem já trilhou o caminho da migração compartilha conselhos tecidos na prática, entre tropeços e descobertas. A experiência fora do país, relatam, redesenha não apenas a forma como olham o mundo, mas também o modo como se enxergam. O que antes ocupava lugar central passa a ser questionado, prioridades se reorganizam em silêncio. Laços familiares ganham outras camadas à distância, e novas conexões se constroem com quem oferece escuta e parceria. Com o tempo, entendem que coragem não é ausência de medo, é caminhar com ele, mesmo assim. E talvez a fronteira mais difícil de atravessar seja, justamente, aquela que separa quem fomos de quem, aos poucos, estamos nos tornando.
Texto: Nívia Menegat
Fotografias: Arthur Corrêa e Nívia Menegat
Produção: Laís Queiroz e Gabriella Serrano
Edição de vídeo: Daniel Bernardoni
Edição de áudio: Nívia Menegat
Orientadora: Maria Carolina Giliolli Goos
Web Design: Gandara Silva
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Portugal em memória. Trabalho de Conclusão de Curso de Nívia Menegat | Jornalismo – PUC Goiás ©️ 2025 Todos os direitos reservados.